Nós temos um termo técnico para desginar a percepção da dificuldade relativa para movimentar uma carga:
percepção subjetiva de esforço, ou RPE da sigla em inglês. Essa é uma escala de 1 a 10, em que 10 significa que você percebeu aquele esforço com dificuldade máxima, sem ser capaz de fazer mais nenhuma repetição com o peso em questão—isto é, atingiu a falha naquela execução. Se o RPE de uma execução foi 9, então você conseguiria fazer mais 1 repetição. Se foi 8, você conseguiria fazer mais 2, etc. Com isso em mente, ao fim de cada série dos meus
lifts principais, eu anoto o RPE daquela série para aquele peso e o número de repetições feitas. Se pareceu leve demais—isto é, se o RPE foi menor do que 7, o que significa que eu podeira fazer 3 ou mais repetições com aquele peso—meu trienador prescreve um aumento expressivo na semana seguinte. Se foi pesado demais, entre 8,5 e 9, a progressão de carga não será expressiva. Se eu estou batendo em 9,5, talvez seja a hora de fazer um deload.
E qual seria a relação entre força e hipertrofia? Como deve estar claro, elas não a mesma coisa nem são treinadas do mesmo modo, mas não é como se elas fossem antagônicas. Do ponto de vista fisiológico, treinos de força não são excelentes para gerar mais hipertrofia porque, como mencionei, encerramos as séries com certa distância da falha mecânica. Treinos de força
otimizam a hipertrofia para recrutar o maior número de unidades motoras dos seus músculos de uma só vez. A hipertrofia, portanto, pode ser entendida como a potencialidade de exercer força. Com o tempo e com a prática, os sinais que os neurônios motores carregan do sistema nervoso central aos músculos se tornam mais eficientes no comando motor (por um processo chamado mielinização), e o atleta consegue mover mais carga de uma única vez. Por isso que ao treinar com cargas leves e muitas repetições, não se produz muito ganho de força (mas se pode ganhar hipertrofia), diferentemente de treinar com cargas moderadas e altas com poucas repetições. Além disso, ao desenvolver uma técnica mais refinada de execução, como eu fiz depois de tantas sessões de agachamento no exemplo acima, aprende-se a acionar apenas os agonistas primários e secundários daquele exercício, isto é, sem desperdiçar energia enviando sinais de contração para os antagonistas ou para músculos que não têm nenhuma função naquela execução. Por isso que todo atleta de força tem uma rotina de execução de determinado exercício que ele repete quase identicamente sempre, é tanto um ritual quanto uma pré-ativação motora que garante a otimização do sinal motor. Esses são elementos extra-hipertróficos que são essenciais ao treino de força.
Uma última constatação filosoficamente interessante: note que a avaliação do RPE de um exercício requer
perceber (não
julgar, são coisas diferentes!) quantas execuções a mais eu
poderia fazer sem ter de fato feito. Ou seja, durante a execução de um exercício, eu
percebo diretamente, com base na sensação de dificuldade daquela execução, quantas repetições a mais eu conseguiria fazer com aquele peso, mesmo que eu não as faça. Aprender a perceber isso, além de um exercício de honestidade para consigo próprio (pois eu poderia mentir que tudo foi mais fácil do que de fato foi e subir todas as cargas desmedidamente para saciar meu ego), é também um tipo muito refinado de autoconhecimento corpóreo. Esse autoconhecimento consiste em perceber—e, novamente, não é algo que eu julgo deliberadamente ou infiro com base em alguma outra coisa—algo que essencialmente não ocorre, mas poderia ocorrer. Do ponto de vista fenomenológico, isso é muito parecido com o conceito de
protensão, o aspecto futuro, informado a partir do fluxo temporalmente estendido da nossa experiência.
Essas são algumas das reflexões filosóficas que têm me ocorrido a partir dos treinos de força. Esses são aprendizados importantes que enriqueceram minha concepção de conhecimento de si. Escrevi um pouco mais sobre isso num artigo publicado ano passado (
aqui), mas gostaria de explorar mais esses assuntos no meu livro
Elogio das Proezas Físicas que está atualmente sob avaliação pela EDUFBA.