Untitled


August 25, 2025

Às vezes eu sofro de uma ansiedade um pouco diferente da usual. Não é uma angústia sobre o futuro, sobre alguma coisa que poderia vir a ocorrer, é uma angústia sobre o passado—mais precisamente, sobre a inexistência dele. O passado já não existe mais, na verdade o passado, por definição, nunca existe. E mesmo nosso melhor mecanismo de defesa contra essa resoluta verdade analítica mostra-se falho, pelo menos no meu caso: a minha memória dos tempos mais remotos, justamente aqueles que eu mais gostaria de preservar, tem perdido a vivacidade e os detalhes ao longo dos anos.

Quando o ócio permite, e radicalmente contra o melhor juízo, eu me engajo no vão exercício de reconstruir algumas lembranças, mas acabo encontrando mais lacunas do que eu gostaria. Ficam as sensações mais do que o conteúdo das memórias em si: a sensação de conforto solitário ao chegar em casa no fim da tarde e ver desenho enquanto meus pais encerram o último turno de trabalho, a sensação de me encasacar para aguentar o frio mesmo sem ir à rua, o carinho gentil do sol primaveril enquanto ia do colégio à Redenção para almoçar nos dias de turno dobrado.

Facilitaria ter alguma espécie de âncora material, uma coisa concreta cuja função seria preservar as lembranças e o seu significado em toda sua clareza. Um registro que eu pudesse tocar e falar "foi aqui, lembra?"

Mas os lugares em que eu cresci já não existem mais. Ou pelo menos não existem mais para mim. Há muitos anos que minha família não mora no apartamento em que passei boa parte da minha infância e da adolescência. O colégio em que eu estudei, situado no coração de um bairro tradicional de Porto Alegre, vai ser demolido para dar lugar—como tudo naquela cidade em franca decadência de verticalização impessoal—a um conglomerado de prédios genéricos de novo rico. Quando eu vou visitar meus pais, eu já não reconheço direito a cidade. Os caminhos são os mesmos mas os espaços são outros. É uma sensação mista de pertença e estranhamento, pois já não moro lá há quase 10 anos, e é óbvio que as coisas mudariam radicalmente nesse tempo—senão pelo andamento natural das coisas, então pela catástrofe climática de 2024.

Então o que fica? O que fica desse tempo distante?
Colégio Americano (um pouco antes do meu tempo), em breve mais um não-lugar
Eu tenho encontrado conforto no fato de que eu, do modo como sou hoje, sou o legado desse tempo que já não existe mais. Trata-se de um legado imperfeito, mas o melhor possível justamente porque é o único possível. E então me ocorre que, assim como as coisas daquela época se foram e sobrou a pessoa, não tanto para contar a história, mas para ser a história, as coisas de agora vão ir também e alguém, se tudo der certo, fica como o próprio registro da passagem do tempo.

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